segunda-feira, 8 de junho de 2009

Eficiência Energética

Apesar das iniciativas do governo para minimizar o consumo energético em edificações, o Brasil ainda tropeça na adequação de projetos mais eficientes

Por Eliane Quinalia, na revista Téchne, maio 2009.

Preocupação entre os países de Primeiro Mundo, a energia, bem como o melhor aproveitamento dos recursos naturais, também tem sido alvo de atenção entre os brasileiros, especialmente após a crise energética de 2001, que surpreendeu a população com o memorável blecaute. Foi a partir desse evento, que o governo brasileiro se viu obrigado a tomar medidas eficientes visando à expansão da capacidade energética e sua adequada limitação, nos casos em que a população precisava ser conscientizada sobre a melhor maneira de empregar tal recurso em residências.


Entretanto, engana-se quem pensa que apenas essas ações permearam o cenário de energia nacional. O famoso "apagão" trouxe à tona uma outra vertente - a da melhoria dos níveis de eficiência energética em eletrodomésticos e eletroeletrônicos, que não demoraram a influenciar também o panorama da construção civil, com o uso de sistemas construtivos que priorizassem a redução do consumo de energia. Nada mais justo, afinal, a construção e o uso dos edifícios são um dos maiores consumidores de recursos naturais no ambiente, consumindo cerca de 16,6% do fornecimento mundial de água pura, 25% de madeira e 40% de combustíveis fósseis e materiais manufaturados (Wines, 2000). Isso sem mencionar a emissão de CO2 na atmosfera, na qual a indústria cimenteira também tem grande participação.
O consumo de energia elétrica no mundo, especialmente nos países mais desenvolvidos, tem crescido com o passar dos anos. No Brasil, por exemplo, as edificações consomem anualmente 44% do total de energia elétrica do País, sendo 22% destinados ao setor residencial, 14% comercial e 8% para o público, conforme apontam os dados divulgados pelo LabEEE (Laboratório de Eficiência Energética em Edificações) da Universidade Federal de Santa Catarina. (Veja o quadro Evolução do consumo de energia elétrica por habitante no mundo).
Como estratégia para combater tal desperdício, o governo tem aprimorado leis, investido em programas de eficiência energética e recentemente desenvolveu o selo de eficiência em parceria com o Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), destinado a aparelhos e equipamentos energeticamente eficientes - etiqueta Inmetro (A-E). O que poucos imaginam é que esse selo também será empregado na construção civil em edifícios comerciais, de serviços e públicos, que passarão a receber etiquetas conforme o desempenho energético de cada construção. "Nosso marco legal é a lei 10.295/01 e o decreto que a regulamenta, 4.059/01. Ambos dispõem sobre a política nacional de conservação e uso racional de energia, atribuindo ao poder executivo a prerrogativa de estabelecer níveis máximos de consumo ou mínimos de eficiência para máquinas e aparelhos consumidores de energia, que permitiu determinar critérios para a etiquetagem de edificações", diz Paulo Augusto Leonelli, gerente do departamento de desenvolvimento energético do Ministério de Minas e Energia.
O Procel Edifica, como é chamado o programa, a partir deste ano deverá etiquetar os edifícios, concluídos ou em reforma e retrofit, atribuindo conceitos que vão de A a E conforme o consumo de eletricidade. A regra é simples: estarão enquadrados nesse programa os edifícios com área total útil mínima de 500 m2 e que apresentem tensão de abastecimento superior ou igual a 2,3 kV. O objetivo será avaliar a eficiência e potência instalada do sistema de iluminação, no sistema de condicionamento do ar e no desempenho térmico da envoltória (análise da cobertura, áreas de vidro, janelas, aberturas e vãos) do edifício. Com essas ações o governo espera atingir uma economia de 50% em novas construções e 30% no retrofit.













Iniciativas x impasses
Apesar do empenho do governo para incentivar projetos bioclimáticos com uso de energias renováveis nas construções, o Brasil ainda engatinha em termos de eficiência energética, principalmente se comparado aos demais países de primeiro mundo que investem pesado no desenvolvimento de tecnologias para a sustentabilidade e melhor aproveitamento energético.

De acordo com o engenheiro civil Roberto Lamberts, também coordenador do LabEEE (Laboratório de Eficiência Energética em Edificações), da Universidade Federal de Santa Catarina, o Brasil deveria caminhar de forma mais rápida nesse sentido, especialmente devido às alterações climáticas que afetam o mundo, em termos de aquecimento global. "As ações do governo ainda são modestas. É preciso evoluir muito em termos de medição da eficiência. A sociedade precisa se conscientizar e pressionar o governo para desenvolver níveis mais altos", explica. O engenheiro se baseia nos últimos fatos da administração de Barack Obama, no governo norte-americano, o qual destinou US$ 16,8 bilhões para o desenvolvimento de ações em eficiência energética e energia renovável, dos US$ 43 bilhões destinados à energia do país. "Os EUA têm investido, mas aqui ainda falta muito em termos de divulgação. As pessoas desconhecem o que é o programa de etiqueta. Todos deveriam saber."

A exigência de níveis de eficiência mais altos se deve particularmente à questão dos sistemas de condicionamento de ar em edificações. Os modelos etiquetados pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) e Procel destinados à janela ou mesmo split, têm sido mais procurado por consumidores, especialmente na região Norte do País. Para se ter uma ideia, de acordo com a última pesquisa do Procel, o uso desse aparelho na região já representa 40% do consumo de energia elétrica, ou seja, mais até que o famoso vilão, o chuveiro, em outras regiões. (Veja o quadro Avaliação do mercado de eficiência energética no Brasil: Pesquisa na classe residencial). "Falta uma política pública mais agressiva do Ministério de Minas e Energia em elevar os níveis mínimos (E) de eficiência desse equipamento. Apenas assim teremos máquinas mais econômicas. Aqui no Brasil esse valor ainda é de 2.2. Ou seja, compra-se o equipamento por um preço baixo, mas o quanto se vai pagar de conta de luz é outra história", diz Lamberts.

O aumento do uso de ar-condicionado nessa região, e até no Brasil, pode ser facilmente explicado por um problema térmico das fachadas. Hoje, muitas construções ainda são entregues sem proteção externa, ou seja, venezianas e brises. Com isso, as salas ou aposentos recebem não apenas a luz solar, mas armazenam energia em forma de calor, fato que resulta na compra de aparelhos de ar para amenizar a sensação térmica de "estufa" deixada no ambiente. "Infelizmente, a maioria de nossas fachadas não são inteligentes. Elas deveriam ser projetadas para controlar os ganhos solares e bloquear o ganho excessivo de energia no verão. Nossas fachadas são inteiras de vidros transparentes. Falta ainda muito sombreamento", diz Lamberts.

Outro ponto que chama a atenção são os sistemas ou fontes alternativas de energia, que englobam especialmente os aquecedores solares de água. Recentemente o Brasil tem abraçado essa ideia como a solução de todos os problemas energéticos, o que não é verdade. Apesar da solução ser eficaz e proporcionar reduções energéticas notáveis, o mercado ainda sofre com problemas de instalação. Afinal, se o coletor for mal posicionado e a resistência elétrica no reservatório não for regulada - e isso traz custos - os resultados são ineficazes. Além disso, é recente, porém notável, a ação de algumas empresas em instalar tais sistemas para a baixa renda. A CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) e a CPFL Energia (Companhia Paulista de Força e Luz), por exemplo, deverão instalar sistema de aquecimento solar para água do chuveiro em seis mil moradias, em 300 municípios de São Paulo, até 2010. "A baixa renda deve ser privilegiada com tal sistema, especialmente se o mercado desenvolver coletores mais econômicos, como de plástico, por exemplo. Apenas seria necessário, nesse caso, complementar a instalação com um chuveiro elétrico", diz Lamberts. Nesse sentido, a classe média também pode ser beneficiada com aquecedores a gás, desde que o País se empenhe mais na qualificação de seus profissionais, já que a maior parte dos problemas desse setor se deve à má instalação de equipamentos.









Ferramentas auxiliares

Para auxiliar a concepção de edifícios mais eficientes, alguns softwares simuladores têm sido lançados no mercado, principalmente porque de acordo com as exigências do Procel Edifica, as novas construções deverão ter seu consumo de energia avaliado por um simulador validado pela Ashrae Standard 140, capaz de modelar variações horárias de ocupação, potência de iluminação e equipamentos e sistemas de ar-condicionado, definidos separadamente para cada dia da semana e feriados. No site do Procel Info, por exemplo, diversos programas gratuitos podem ser utilizados para tal aplicação, basta que o usuário esteja cadastrado no site. "O uso de softwares como o Energyplus, que permite a simulação horária do consumo de energia de um edifício para um ano inteiro, já é corriqueiro nos grandes empreendimentos executados em São Paulo", conta Leonelli. A ideia, é que o método de simulação compare o desempenho da edificação proposta com uma similar, cujas características estejam de acordo com os níveis de eficiência exigidos em projeto.

Vale ressaltar ainda, que segundo especialistas, a maioria dos investimentos em eficiência energética são retornáveis em menos de três anos, além de serem ambientalmente sustentáveis.

Tecnologias para sustentabilidade
Fachadas inteligentes
Projetadas para filtrar automaticamente a energia solar conforme as variações climáticas. Devem ter baixa manutenção e vidros autolimpantes, tendo preferencialmente cores claras na parte opaca para minimizar a manutenção, com o intuito de manter o conforto térmico no interior do edifício a um gasto mínimo de energia.


Sistema de condicionamento de ar

Tratamento destinado a controlar simultaneamente a temperatura, a umidade, a pureza e a distribuição de ar de um meio ambiente. Precisam ser escolhidos com cautela, já que a compra de um aparelho ineficiente ou maldimensionado pode trazer gastos energéticos ao consumidor. Para evitar prejuízos, deve-se verificar no site do Inmetro (Instituto de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) o nível de eficiência enérgetica dos aparelhos antes da compra.

Sistemas ou fontes alternativas de energia

Aquecedores solares de água, painéis fotovoltaicos e gás natural têm sido utilizados para minimizar os gastos energéticos. Os edifícios comerciais que utilizem água quente e contem com aquecedores solares deverão provar atendimento com uma fração solar igual ou superior a 60%. Além disso, a estimativa do programa é que o uso de energia eólica ou mesmo painéis fotovoltaicos possa proporcionar uma economia mínima de 10% no consumo de energia elétrica do edifício. Já os sistemas de cogeração podem melhorar em até 30% os gastos com energia.


Sistemas e equipamentos que racionalizem o uso da água

Economizadores de torneira, sanitários com sensores, aproveitamento de água pluvial podem proporcionar uma economia mínima de 20% no consumo de água do edifício.






Sistemas de iluminação

As luminárias, reatores e lâmpadas eficientes podem reduzir de 30% a 50% o consumo em iluminação. Assim, os ambientes fechados devem possuir ao menos um dispositivo de controle manual acessível para o acionamento independente da iluminação interna do ambiente. Sendo que cada dispositivo deve controlar uma área de até 250 m² para ambientes até 1.000 m², bem como uma área de até 1.000 m² para ambientes maiores do que 1.000 m². O uso de sistemas automáticos com desligamento de luz ou sensores de presença também se faz obrigatório.


Materiais isolantes

Fundamental em climas frios, o uso do isolante térmico não pode ser generalizado. Afinal, nos dias quentes a realidade é outra. Sua melhor aplicação ainda se dá na cobertura.








Consórcio Brasil leva projeto nacional para Europa







Uma iniciativa que tem chamado a atenção é a do Consórcio Brasil, grupo formado por acadêmicos de engenharia e arquitetura de seis universidades brasileiras, todos empenhados na divulgação de projetos de eficiência energética em âmbito mundial. Ao que consta, as universidades federais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) receberam um convite no início de 2008 para representar o País na 1a edição do Solar Decathlon Europe, que acontecerá no próximo ano em Madri, na Espanha.

Para entender um pouco melhor, esse concurso acadêmico organizado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos e realizado em território norte-americano desde 2002, foi desenvolvido para incentivar a construção de moradias autossuficientes em termos de energia, bem como conscientizar a sociedade sobre os temas ambientais, principalmente no que diz respeito ao uso de energia e recursos naturais. "É a primeira vez que universidades tão importantes se juntam para apresentar um trabalho no exterior sobre soluções bioclimáticas com integração de painéis solares térmicos e fotovoltaicos", conta Adnei Melges de Andrade, vice-diretor do IEE (Instituto de Eletrotécnica e Energia) e coordenador do Consórcio Brasil.

O concurso mundialmente conhecido em 2005, com a adesão da Escola Politécnica de Madri, logo recebeu o apoio do governo espanhol para promover a competição na Europa - continente engajado em questões sustentáveis e ambientais, tal como na Ásia, no que se refere às ações da China. De acordo com Andrade, os estudantes brasileiros de gradução, mestrado e doutorado deverão apostar no uso de materiais ecologicamente corretos e na concepção de uma moradia flexível, utilizando não apenas a inovação para melhorar as condições de sustentabilidade, mas também zelando pelos aspectos socioeconômicos da construção. "Já enviamos as maquetes e a apresentação audiovisual, mas a entrega do plano de operações para a montagem de protótipos será realizada em março de 2010", conta.

A equipe brasileira até o momento conta com o financiamento da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior) - órgão do Governo Federal ligado à educação e do Ministério da Habitação da Espanha, para locação de gruas e equipamentos e para a montagem dos protótipos no Parque do Retiro, em Madri.

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