Por Isabel Gardenal – Os edifícios brasileiros nem sempre são projetados ou construídos de modo a auxiliar os processos naturais para promoção de conforto térmico. Mas uma solução estudada pela arquiteta Letícia Neves em sua tese de doutorado mostrou que a chaminé solar pode ser uma boa estratégia à climatização natural, sobretudo em regiões de clima quente, para refrescar os ambientes internos.
Enquanto num experimento com uma chaminé convencional, alcançou-se uma taxa de 3,7 renovações do ar por hora no ambiente interno, com a chaminé solar chegou-se a 5,5 renovações por hora, para o dia típico de verão no clima de São Paulo. Houve então um incremento de quase 50% na ventilação natural. “Outra vantagem do sistema também está no fato de não fazer uso de eletricidade, contribuindo assim para a economia e a
eficiência energética das edificações”, assinala a pesquisadora.
A chaminé estudada foi composta por um coletor solar cujo princípio é o mesmo de um coletor para aquecimento de água, só que visando aquecer o ar: possui uma superfície de vidro, uma câmara de ar e uma superfície negra absorvedora na parte interna do canal. A autora empregou o coletor solar na chaminé para aquecer o ar próximo à cobertura da edificação, a fim de induzir a ventilação natural.
Nesse processo, os raios solares atravessam a superfície de vidro do coletor solar e aquecem a placa absorvedora preta, que vem logo abaixo dela. Consequentemente, há o aquecimento do ar no interior do canal. O coletor solar da chaminé funciona pelo princípio do efeito estufa: o calor entra, mas não consegue sair, causando a elevação da temperatura do ar.
Nos coletores solares convencionais, a água se aquece ao circular em tubos que passam sobre essa placa quente. No caso da chaminé solar, em vez de água, passa o ar. A pesquisadora explica que o ar sofre ascensão por diferença de temperatura. Assim, como o ar quente é menos denso, ele tende a se elevar no interior da chaminé, provocando a sucção do ar do ambiente interno. E quanto maior é a temperatura do ar na chaminé solar, maior é o fluxo de ar por efeito chaminé e a ventilação natural no ambiente, contribuindo para melhorar a qualidade do ar e o conforto térmico.
Na tese, defendida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), a pesquisadora constatou que, aplicada a um projeto de arquitetura, essa técnica pode fazer uma grande diferença no resfriamento passivo, ou seja, sem uso de fontes convencionais de energia. No Brasil, lamenta ela, nem sempre existe um investimento em projetos. Por isso, esse ônus é carregado para toda a operação da edificação, sendo que, gastando-se um pouco mais em tal etapa, poupa-se energia.
Ao delimitar a abordagem que iria fazer, a autora da tese resolveu propor um estudo para prédios de baixa altura, um edifício térreo. Apesar disso, ela salienta que também é possível levar essa técnica a prédios com outras dimensões.
A lógica da arquiteta foi a seguinte: quanto mais alto for o edifício, maiores são as possibilidades de se aproveitar as diferenças de altura entre a zona ocupada e a cobertura. E esta diferença é muito importante para incrementar o volume de ar removido pelo sistema. Já num prédio baixo, não haveria grande variação de altura e nem diferença de temperatura elevada entre a cobertura e a zona ocupada.
Segundo a autora, em geral costuma-se associar muito o conforto térmico com a temperatura do ar. No entanto, para o conforto térmico, entram ainda em jogo variáveis climáticas como a velocidade do ar, a umidade relativa e a temperatura radiante (que influencia na troca de calor por radiação entre superfícies – como troca de calor entre a pele e uma superfície envidraçada exposta ao sol, por exemplo).
Todas elas, expõe Letícia, trabalham em conjunto. “Quando a umidade relativa do ar é elevada e a velocidade do ar é próxima de zero, é possível sentir um certo desconforto, semelhante ao que sentimos em dias quentes e abafados. Agora, quando se tem uma velocidade do ar mais elevada, é possível suportar temperaturas e umidades mais altas.”
Inverno e verão – Ao avaliar o uso da chaminé solar para promover ventilação natural, a pesquisadora descobriu algumas possibilidades de uso do sistema. Ela poderia ser adaptada para funcionamento em conjunto com uma lareira. “Uma lareira convencional é utilizada para aquecer, mas dá para fazer uma inversão do sistema no período de verão, com vistas ao resfriamento”, sugere.
No inverno, pode-se empregar um sistema que permita criar uma recirculação. Assim, o ar quente próximo à cobertura, ao invés de sair pela chaminé, volta ao ambiente interno e aquece a zona ocupada. No verão, abre-se a chaminé para o ar quente sair, o que garante um resfriamento do ambiente interno. Neste caso, é preciso prever uma abertura para entrada de ar mais fresco em outra fachada da edificação.
“Na nossa latitude, durante o verão, o sol ocupa posições muito altas no céu e este fato provoca o aumento da intensidade da radiação recebida pelas coberturas e superfícies horizontais”, informa a autora.
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Phoenix Building – Building Research Estabilishment - BRE, Watford, UK - Por Antonio Macêdo Filho
Já no Hemisfério Norte, há muitos estudos de chaminés solares em latitudes maiores [o Building Research Establishment (BRE), em Garston, no Reino Unido, é uma edificação que tem chaminé solar].
Para o contexto brasileiro, dependendo da latitude e da época do ano, isso não funciona bem, porque a maior parte da radiação solar incide sobre o plano horizontal. Por essa razão, a arquiteta fez uma chaminé solar na cobertura da edificação e com uma inclinação adequada à latitude local.
Potencial – Qualquer chaminé externa pode ser uma chaminé solar, situa a autora da tese, pois o aquecimento de sua face externa pelo sol aumenta a diferença de temperatura entre o ar da chaminé e o ar da zona ocupada. A ventilação natural, no caso, é propiciada pelo movimento do ar por diferença de temperatura.
A proposta de Letícia e de seu orientador, o professor Maurício Roriz, foi incrementar o processo: aquecer ainda mais o ar na região próxima da cobertura e aumentar o fluxo de ar na zona ocupada do ambiente. A pesquisadora fez um projeto de chaminé solar para a construção de uma célula de teste experimental, construída no campus da Universidade Federal de São Carlos.
Financiado pela Fapesp, o projeto desenvolveu um modelo em escala real com um sistema de monitoramento da temperatura do ar, temperatura superficial e velocidade do ar no canal da chaminé. “Comparamos os dados do interior da chaminé com os dados de variáveis climáticas externas”, conta ela.
Com base no monitoramento, calibrou-se um modelo em um software de simulação termoenergética, o EnergyPlus. A partir daí, passou-se a uma análise de quais parâmetros geométricos e construtivos funcionariam melhor: qual seria o comprimento e a inclinação da chaminé, a profundidade do canal e o tipo de material ideais?
A parte experimental foi a mais complexa, relata a arquiteta, com problemas construtivos e de monitoramento para solucionar, mas serviu de base para calibrar o modelo de simulação. Dele se conseguiram extrair os resultados mais interessantes, contrapondo-se uma chaminé convencional – sem coletor solar para aquecimento do ar – com uma chaminé solar.
Mais
alternativas – Os exaustores eólicos são um exemplo de mecanismos para ventilação natural muito empregados em galpões, pois são acionados pela força do vento para renovar o ar ambiente. Fazendo uma correlação com o projeto e comercialização de chaminés solares no mercado, daria para partir dessa mesma linha dos exaustores eólicos. Seriam produzidos módulos de chaminés solares para simplesmente serem instalados na cobertura da edificação.
A saída seria criar um método simples para dimensionar e definir as características da chaminé solar a ser instalada em cada caso. “Agora aguardamos que a chaminé solar entre em escala industrial, com o interesse de alguma empresa”, espera a arquiteta. Até onde se sabe, nacionalmente apenas se fazem pesquisas com chaminé solar para secagem de grãos, de madeira. Em outros países, já existe essa chaminé com aplicação para climatização natural, iniciativa que foi retomada da arquitetura vernacular e ganhou mais espaço por volta da década de 1990.
O trabalho de Letícia conseguiu uma solução geométrica diferenciada, em que foi garantida a máxima irradiância solar no plano do coletor e a manutenção de uma diferença na altura adequada entre as aberturas de entrada e saída do ar da chaminé. Sua pesquisa foi financiada pela Fapesp e uma importante parte dos estudos foi feita em Portugal, onde, sob a supervisão do engenheiro Fernando Marques da Silva, ela realizou uma série de ensaios no túnel de vento do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), situado em Lisboa.