segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Super brizes em Salvador


Cidades portuárias são importantes por diversas razões. Em muitas delas os portos são a principal atividade econômica do lugar.

Muitas destas cidades, no entanto, evoluem, crescem, desenvolvem outros negócios. A conjuntura se altera, os mercados mudam, e em muitos casos os portos perdem o seu valor original e sua função econômica e social. É o caso, dentre outras, de Barcelona, Buenos Aires, Lisboa, Nova York, Rio de Janeiro e Salvador, para citar apenas cidades que conheço.

A sustentabilidade aqui é uma questão de vitalidade urbana, de renovação, de readequação. As cidades precisam se adequar.

Buenos Aires eu tive oportunidade de conhecer antes e depois da reforma do Puerto Madero. A mudança foi dramática, criou novos espaços para a cidade. Hoje, juntamente com a Recoleta, é a região mais valorizada da capital argentina.

Barcelona e Lisboa se aproveitaram de grandes eventos realizados para se revitalizarem. Os jogos olímpicos de 1992 e a Exposição Universal de 1998, respectivamente, trouxeram novas caras e novos usos para as regiões portuárias das duas cidades. O Puerto Olímpico, em Barcelona, tem uma atividade noturna que atrai gente de todo o mundo.

Em Salvador, minha cidade natal, desde os meus tempos de estudante de arquitetura, já se falava da tal grande reforma da região do porto, da revitalização do comércio, no centro.

Muitas propostas já foram feitas. Recentemente, recebi de colegas algumas imagens de uma proposta que me pareceu bem interessante. Os antigos galpões do porto serão, assim como foi feito em Buenos Aires, tomados por alamedas, lojas, escritórios e restaurantes.

O lugar é mesmo especial. A vista da Baía de Todos os Santos é fantástica e está ao lado de locais que levam a imagem da Bahia mundo à fora, como o Mercado Modelo, o Elevador Lacerda e o Centro Histórico.

Como na Baía de Todos os Santos - fato muito raro no Brasil e que ocorre também na Baía de Guanabara - o sol se põe sobre o mar, temos uma paisagem impagável, mas também um sol poente que pode incomodar muito os usuários das edificações ao largo da orla.

É preciso tomar cuidado com a solução de fachada oeste nestes edifícios. No caso desta proposta, encontraram um sistema interessante, com super-brises que envolvem completamente a fachada (vejam as imagens). Se tiver um espaçamento que permita visibilidade de dentro para fora, pode funcionar bem. Me pareceu elegante.

Espero que a iniciativa progrida e os colegas consigam promover um projeto executivo e uma execução de qualidade, como a Bahia merece. O turismo é uma importante força motriz e deve se incrementar nos próximos anos. A Copa do Mundo virá para ajudar a dar também um impulso importante.

Vamos ver o que o Rio de Janeiro fará com a sua região portuária, também degradada e repleta de grandes galpões e edifícios em estado precário. As olimpíadas e o Rio merecem.
Por Antonio Macêdo Filho



terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sustentabilidade segundo o AQUA

Reproduzo a seguir entrevista com Manuel Martins, da Fundação Vanzolini, responsável pela certificação de edificações AQUA.
Por Nanci Corbioli, publicada em PROJETODESIGN - Agosto de 2009

O engenheiro Martins foi um dos meus convidados palestrantes do Fórum EcoTech em São Paulo, que teve minha coordenação técnica.

Engenheiro civil formado pela Poli/USP em 1969 e doutor pelo Imperial College, de Londres, Manuel Carlos Reis Martins é o coordenador executivo do Processo Aqua, certificação de sustentabilidade conferida pela Fundação Vanzolini. Martins foi diretor e coordenador de qualidade no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e diretor da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

O Processo Aqua (Alta Qualidade Ambiental) é uma certificação adaptada à realidade brasileira pela Fundação Vanzolini e por professores do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Poli/USP. O processo é fundamentado no sistema francês Haute Qualité Environnementale (HQE), mas adota critérios próprios e incorpora normas da ABNT. Entre suas características está a exigência de desempenho avaliado como bom, superior ou excelente em 14 categorias relacionadas à qualidade ambiental do edifício. Manuel Martins destaca, no entanto, que no Aqua existe a flexibilidade de escolhas, de modo a garantir o desempenho. “O projetista poderá justificar suas decisões. Claro que com base profissional”, completa. Fundamentada em um sistema de gestão que garante o controle do projeto e a execução da obra, a certificação por ora é destinada a edifícios de escritórios, escolares e hoteleiros, mas em breve também estará disponível para empreendimentos residenciais.

Por que a Fundação Vanzolini escolheu um modelo francês de certificação de sustentabilidade?

A USP tem relações com universidades de outros países e na Poli tínhamos um trabalho de pós-graduação ligado ao desenvolvimento de bairros sustentáveis em Paris. Quando conhecemos o HQE, percebemos que ele tinha boas características e poderia ser usado como base para um processo brasileiro de certificação. O HQE foi desenvolvido a partir de uma visão ampla da cadeia produtiva e do setor da construção, e estabeleceu categorias, que nós chamamos de os 14 grandes objetivos, de forma abrangente e relevante em termos de sustentabilidade da construção. Os critérios de avaliação levam em conta o desempenho, o que de imediato já permitia a adoção de soluções locais. O que interessa é o desempenho e não se a fachada, a parede ou o teto vão ser feitos disso ou daquilo. Essa característica facilitou o processo de adaptação.


Manuel Martins durante os debates no Fórum EcoTech, entre o Prof. Marcelo Roméro e Antonio Macêdo.


Como foi feita essa adaptação?

O pessoal na Poli já conhecia bem o assunto antes de existir certificação. Eles estudam isso há muito tempo no Brasil e conheciam o processo francês. O primeiro referencial adaptado foi o de escritórios e escolas, e nosso mercado veio demandando outros. Para edifícios comerciais, o desdobramento era mais fácil porque bastava ajustar alguns itens. O Processo Aqua foi lançado em abril de 2008 e mesmo nessa fase inicial em que temos poucos certificados já surgiu o interesse pela certificação de hotéis e comércio. Também houve interesse pela certificação residencial, mas o processo é um pouco mais demorado porque os itens de conforto, que são o ponto principal, mudam muito. Nosso referencial para residências está em fase de ajuste em relação a normas técnicas e legislação e deve ficar pronto no final de julho. Não se trata simplesmente de um desdobramento do primeiro, porque leva em conta as 14 categorias em acordo com as peculiaridades desse tipo de edificação. Isso considera as normas técnicas brasileiras, e busca complementos na normatização estrangeira quando necessário ou no conhecimento técnico disponível no país, em universidade ou outros centros.

Por que essa diferença se os sistemas são praticamente os mesmos?


Há muitas coisas que são uma preocupação comum, como limitar vazão de água ou adotar sistemas economizadores. Em um hotel ou em um escritório as condições de conforto não são as mesmas de uma residência. No Brasil, a não ser em regiões específicas, as casas e apartamentos usam menos ar condicionado que os escritórios. Em termos de aquecimento é a mesma coisa. Por outro lado, a acústica em uma residência é mais exigente que num escritório e isso também vale para um quarto de hotel. Como são as condições acústicas e de conforto térmico em uma sala? Quais são as condições sanitárias de uma cozinha? Isso vai levar em conta basicamente o tipo de revestimento, mas há a acessibilidade e normas para alturas de balcões. Isso não existe em um prédio de escritórios.

Existem apartamentos muito pequenos em que pessoas em cadeiras de rodas não conseguem passar pela porta. Como um projeto desses ficará diante do Aqua?

Esse projeto não atende a norma e não será certificado. Por que um empreendimento residencial não pode ser pensado desde o início para que venha a ter bom desempenho e acessibilidade? O espaço físico só é limitante se o projeto não considerar esses parâmetros. Não é porque o espaço é menor ou se destina a determinada faixa de renda que precisa ser ruim ou deficiente em termos de funcionalidade. Como fazer um bom projeto, com custos restritos e preço de venda limitado? Esse é um desafio que pode ser melhor enfrentado se pensado desde o começo do processo. Quem decide é o empreendedor, ele vai investir e dizer como deve ser feito. Se o empreendedor estiver sensibilizado, os nossos profissionais sabem fazer. Alguns profissionais podem não estar muito acostumados porque não é esse o ritmo que veio até hoje, mas formação e conhecimento eles têm.

Como é feito o processo de certificação no sistema Aqua?

Ele é dividido em três etapas. A primeira é a fase Programa, em que é estabelecido o programa de necessidades, o perfil de sustentabilidade com os níveis de desempenho que o edifício pronto deverá apresentar, e o sistema de gestão do empreendimento, para viabilizar o controle total do projeto a fim de garantir que esses objetivos sejam alcançados. O empreendedor fará a autoavaliação da consistência disso tudo, levando em conta a coerência e a viabilidade dos objetivos propostos. Isso será submetido à Fundação Vanzolini e, se atender às normas, o empreendimento receberá o certificado da primeira fase e passará à etapa seguinte, que é a Concepção. Nesse momento será desenvolvido o projeto executivo, com todos os detalhes de como será o empreendimento, e em acordo com o sistema de gestão escolhido para garantir o controle. Nessa segunda etapa ocorre também uma autoavaliação, dessa vez mais profunda, para demonstrar como o projeto desenvolvido atenderá os critérios nos níveis Bom, Superior ou Excelente que foram propostos nos objetivos da primeira fase. A Fundação Vanzolini fará a auditoria e, se tudo estiver correto, será concedido o certificado da segunda fase. A terceira etapa é a Realização, que abrange a obra feita em acordo com o sistema de gestão e com os projetos, para concretizar o perfil proposto. Uma nova autoavaliação será feita no final da construção, que depois passará pela última auditoria para verificar se o projeto implantado resulta no perfil desejado. Se estiver tudo certo, a fundação concede o certificado.

O Processo Aqua foi lançado em abril de 2008 e nessa fase inicial já surgiu o interesse pela certificação de hotéis e comércio. Também houve interesse pela certificação residencial, mas o processo é um pouco mais demorado porque ositens de conforto mudam muito.

Por quanto tempo vale esse certificado?

O certificado da fase Programa é válido até sair o da fase de Concepção, e este até a certificação da fase de Realização, na entrega da obra. E o certificado final vale por um ano. Essa não é uma certificação que se renova depois. Todos os elementos necessários ao bom desempenho do prédio em uso, que envolvem arquitetura e sistemas, já têm que estar ali.

Não existem fatores que podem de alguma forma alterar o desempenho desses sistemas durante o uso?

Existem, e por isso terá outra certificação depois, que poderá ser renovada periodicamente. Ainda estamos terminando de elaborá-la e não foi definido o prazo para renovação, mas acredito que serão auditorias anuais. Isso porque aquele sistema de gestão que se estabeleceu para garantir o atendimento desde o programa até a entrega da obra não é igual ao de gestão do uso. Uma coisa é projetar e construir, outra é usar. Os agentes que desenvolvem o programa, o projeto e constroem são uns, os que controlam a operação do edifício são outros. Se o síndico ou o condomínio quiserem manter a certificação ao longo do tempo, terão que estabelecer um sistema de gestão e de controle do uso, e nisso estarão incluídas boas práticas ambientais. Quem vai operar terá que garantir que serão mantidos os desempenhos dos sistemas nos níveis previstos. Isso será feito por meio de medições, registros, relatórios de desempenho. Além da avaliação documental, o operador mostrará também os sistemas em funcionamento. Há, por exemplo, um critério que contempla gestão de resíduos na operação do edifício, com condições sanitárias adequadas e aproveitamento pela cadeia local.

As economias em uso de energia, água, manutençãoe tratamento de resíduos vão garantir o retorno em prazo entre dois e cinco anos. Em um seminário,ouvi investidores dizendo que são locados mais rapidamente os conjuntos de escritórios em umprédio sustentável.

Quanto uma obra sustentável é mais cara que uma obra sem essa preocupação?

É necessário haver valores de referência. Primeiro é preciso imaginar a obra sustentável e depois imaginá-la não sustentável para ver a diferença. Talvez se gaste mais na fachada, mas em compensação menos no sistema de ar condicionado. No mundo, os números médios para projeto e construção são de até 5% do valor total da obra. As economias em uso de energia, água, manutenção e tratamento de resíduos vão garantir o retorno desses 5% em prazo que varia entre dois e cinco anos. Esse retorno beneficia o usuário e o empreendedor. Em um seminário, ouvi investidores dizendo que são locados mais rapidamente os conjuntos de escritórios em um prédio sustentável e que a construção mantém seu valor patrimonial por mais tempo devido aos sistemas de controle e manutenção.

Existem obras já certificadas pelo Processo Aqua?

A certificação tem pouco mais de um ano e por enquanto dois empreendimentos já receberam os primeiros certificados. Um é o Centro de Eventos Nortel, perto do Shopping Center Norte [zona norte de São Paulo], que recebeu a certificação da fase Programa durante a Feicon [março de 2009]. São três torres e um espaço para minigolfe que ninguém usava. Por isso, resolveram usá-lo para criar um centro de eventos. Uma de suas características é o teto verde, para reduzir os efeitos do calor, captar água de chuva e também para manter a vista dos hóspedes do hotel. O outro empreendimento é a loja Leroy Merlin em Niterói, que completou a certificação da fase Concepção e já está no final da obra. O previsto é que em agosto ela passe pela avaliação da etapa de Realização. Ali eles precisavam resolver outra questão. A frente da loja ficou voltada para o oeste e eles solucionaram esse problema usando materiais para a proteção contra o calor. Essa é uma característica do Aqua. Não é obrigatório ter determinada orientação, mas soluções adequadas devem ser previstas nas fases Programa e Concepção. O Aqua aceita soluções que tragam economia no restante do projeto e reduzam a necessidade de outras medidas. O que todo mundo quer é uma construção sustentável, confortável, saudável e econômica, tanto no investimento como no uso.

Então os critérios de certificação são flexíveis?

Sim. No Aqua ninguém ganha pontos só por colocar determinada coisa no prédio. Por exemplo, o sistema solar para aquecimento de água vai garantir pontuação no Leed [certificação norte-americana Leadership in Energy and Environmental Design, concedida pelo United States Green Building Council]. É certo que esse sistema reduz muito o consumo de energia nas edificações. Mas qual sistema devo instalar em um prédio de escritório que terá somente dois ou três chuveiros lá embaixo para os funcionários da limpeza e da manutenção? Claro que será o elétrico, porque não se justifica instalar as placas de captação e um sistema de distribuição todo complicado para quando o chuveiro for aberto lá embaixo já sair água quente na hora, sem ter que perder litros e mais litros de água fria até a quente chegar ao ponto de consumo. Essa flexibilidade do Processo Aqua permite escolhas em favor do melhor desempenho. Limitar a vazão de água é outro exemplo. Em edifícios altos precisa ter limitador de vazão, isso é básico. O mais relevante é otimizar o consumo, buscar sistemas economizadores, calcular e justificar as escolhas com o quanto de água será economizado. Se for feito dessa maneira, o sistema vai alcançar nível excelente. Não existe um número de referência. Cada empreendimento tem seu próprio potencial de economia.

Como é feita essa análise?

Alguns elementos são analisados numericamente, como o percentual de redução no consumo de energia ou qual a transmitância térmica. Mas há outros em que a análise é por demonstração. Por exemplo, o potencial para redução do consumo de água. O projeto já reduziu a vazão, emprega sistemas economizadores e água da chuva para algumas finalidades. Se não houver mais nada a fazer, fica estabelecido o consumo de água potável e se isso estiver justificado e explicado, a certificação levará em conta esses cálculos e justificativas.

Se não existem números de referência, como saber se o desempenho é bom, superior ou excelente?

A referência é a própria edificação sem esses elementos. É como se fossem dois projetos, um com todos os recursos e outro sem eles, para ver o quanto se economiza. Como seria o desempenho de um projeto se nada disso fosse feito? E qual é o ganho se fizer? Os projetistas têm mais facilidade para desenvolver um projeto já nesse conceito. Quando os agentes começam a pensar um empreendimento, imaginam qual sistema construtivo será usado, como vai ser o consumo de água etc. Se na hora de fazer o programa os profissionais puderem gastar um pouco mais de tempo pensando naquilo que deve ser feito, terão maiores chances de encontrar as melhores opções. Dedicar mais tempo ao programa e ao projeto sempre vai garantir mais economia, porque adaptar depois sairá mais caro. Quanto mais adiantado o projeto ou a obra, menor será a flexibilidade de mudança e maiores os custos. Precisa haver uma mudança de cultura geral, gastar mais tempo no desenvolvimento do programa e do projeto, ter gerenciamento integrado do empreendimento desde o programa até a entrega. Esses são os fatores que mais exigem esforços de mudança. As pessoas estão acostumadas a pedir o projeto para ontem. A decisão de fazer um empreendimento pode até demorar um pouco, mas quando isso fica decidido vem junto aquela aflição de construir e não há tempo para fazer essa reflexão inicial que deixaria o resultado muito melhor.

O senhor pode apontar outras diferenças entre os sistemas Aqua e Leed?

Temos apenas uma ideia sobre isso porque nosso objeto não é fazer um confronto ponto a ponto com o Leed. Os próprios americanos discutem a relevância do Leed, mas creio que seja um sistema adequado para as características deles. Em termos macro, todos os processos de certificação são semelhantes e envolvem as mesmas preocupações: emissão de carbono, energia, água, implantação no território, resíduos, conforto. No hemisfério norte há grande sensibilidade para a questão da energia, e nos Estados Unidos, com o novo presidente, eles estão ainda mais sensíveis a isso. O nome Leed corresponde a liderança em energia e projeto de engenharia, o que já evidencia o foco. No Brasil, nossa preocupação com água, resíduos, conforto e saúde não é menor que a preocupação com a energia. Por isso, nosso processo não prioriza um fator. No Aqua, são avaliados 14 requisitos e o empreendimento deve alcançar ao menos três resultados excelentes, quatro superiores e sete bons para obter a certificação. Não é possível abandonar algum critério ou escolher os quesitos nos quais pontuar. No entanto, se algum item estiver fora do contexto, é possível justificar que aquilo não se aplica ao projeto. Não é ignorar algum item, tem que justificar, dizer o porquê. No Aqua, quando o critério de avaliação não for bom para o contexto do projeto, é possível propor um parâmetro diferente do que está na norma, usar o referencial de outra maneira. No geral a norma pede baixa transmitância térmica, mas nas regiões mais quentes do país, por exemplo, pode ser necessário um tipo de envoltório que durante a noite favoreça a dissipação do calor acumulado ao longo do dia, até com a ajuda de ventilador, se for o caso. O projeto terá que responder em termos de orientação, sombreamento, equipamentos de proteção de fachadas, mas a norma não diz se tem que usar ar condicionado, se tem que usar brises. Existe a flexibilidade de o projeto responder de outra forma para garantir o desempenho e o projetista poderá justificar suas decisões. Claro que isso tem que apresentar base profissional. E nos casos mais complexos envolve até consultorias tanto no projeto como na avaliação de certificação.

Então o Aqua não avalia, por exemplo, a relação entre áreas opacas e translúcidas numa fachada?

Para o Processo Aqua não interessa qual é essa relação, o que conta é o desempenho final, e o profissional tem total liberdade criativa. Essa é uma das principais diferenças entre o Aqua e o Leed. A outra grande diferença é que o Aqua exige um sistema de gestão para garantir que o empreendimento realmente atinja os níveis previstos. A transmitância térmica tem que ser menor que a referência, dada por um edifício médio, com materiais nossos médios e características médias. Melhorar a aptidão do envoltório do edifício, partido arquitetônico, orientação, implantação, porte, aspecto geral, tudo isso deve ser considerado para limitar as necessidades energéticas. Existem simulações de computador para calcular qual vai ser a necessidade de energia no edifício para os sistemas de resfriamento, aquecimento, iluminação. No quesito energia, já começa no desempenho superior. Ou o projeto é superior ou não é nada. Se o projeto consumir 10% a menos que a referência, está no nível superior; se o consumo for 20% menor, então o nível é excelente. O edifício que atingiu o excelente tem consumo no mínimo 20% menor. É isso que o atendimento à norma garante.

A certificação, qualquer que seja, garante que o empreendimento será realmente sustentável?

O Processo Aqua está focado nos critérios do desempenho, então o projeto vai ser o melhor do ponto de vista técnico, de conforto, funcionalidade, economia. Ter a certificação é uma garantia de que esses critérios são reais e estão presentes, de que o assunto foi tratado e resolvido de forma abrangente e relevante. É assim que se trabalha com normas.

No Processo Aqua, são avaliados 14 requisitos eo empreendimento deve alcançar ao menos três resultados excelentes, quatro superiores e setebons para obter a certificação. Não é possível abandonar algum critério ou escolher os quesitos nos quais pontuar.

O Processo Aqua contempla conformidade dos materiais e questões sociais, como o emprego formal e as formas de obtenção dos materiais?

Sim. Essa é uma característica específica do Brasil e foi uma maneira de contribuir um pouco mais, porque o HQE não abrange esses aspectos. Existem no Aqua critérios para conhecer e usar fornecedores formais de produtos, sistemas e processos construtivos. A formalidade dos fornecedores deve se estender aos seus trabalhadores. Mas na verdade isso é um know-how do empreendedor. Ele que tem de conhecer esses fornecedores e não comprar de qualquer jeito, de qualquer um. Precisa ter critério.