quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A Arquitetura Sustentável Brasileira de Lelé

Amigos,

Verdade seja dita, falar de arquitetura sustentável no Brasil sem falar do Lelé, seria no mínimo uma injustiça e um desrespeito. Ao contrário, eu respeito e valorizo a atitude de projetar com a consciência de que o edifício deve necessariamente interagir dinamicamente com o meio.

São as mesmas boas e velhas soluções de arquitetura bioclimática, que foram de certa forma esquecidas, mas que são uma vez mais a resposta para a arquitetura do século XXI e que Lelé já utiliza há décadas.

Reproduzo a seguir recente entrevista concedida por Lelé para a AU, publicada em Piniweb:


João Filgueiras Lima, o Lelé, afirma que não há arquitetura desvinculada de questões ambientais
por Rafael Frank, para AU (Pini)

Arquiteto reconhecido pelo aproveitamento de sistemas naturais antes mesmo da "onda" da sustentabilidade afirma que, mais do que necessidade de preservação de recursos, essas questões eram encaradas como uma forma de humanização dos projetos


"Não existe trabalho de arquitetura sem considerar as questões ambientais".

Esta foi a primeira frase do consagrado arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé durante conversa com a reportagem da PINIweb pouco antes de receber homenagem na categoria "Reconhecimento Setorial" do Prêmio PINI, evento de premiação realizado em 22 de outubro aos melhores fornecedores do setor da construção.

Lelé criticou os baixos investimentos na arquitetura brasileira, falou sobre a arquitetura de Dubai (Emirados Árabes) e contou um pouco de sua trajetória profissional. Confira.

O senhor tornou-se reconhecido pela composição de projetos com aproveitamento de sistemas naturais. Como esse trabalho começou?

Não existe trabalho de arquitetura sem considerar as questões ambientais. Aprendi muito com o Oscar [Niemeyer] sobre a relação com o espaço, com o entorno. Ele é minha grande inspiração, absorvo a arquitetura dele dentro da minha competência, mas não vou imitá-lo. Se fizesse isso, seria uma espécie de caricatura.

A idéia de priorizar sistemas naturais começou com meu trabalho no ambiente hospitalar. Você precisa humanizar esses locais. Por exemplo, a luz artificial é um problema. Há 30 anos, não se pensava em sustentabilidade e não havia problema de fornecimento energético. Era uma questão de humanização do projeto. Já a climatização por meio de ventos foi uma forma de controlar a infecção hospitalar.

No projeto que a Rede Sarah Kubitscheck está executando no Rio de Janeiro utilizamos sistemas complementares. Investimos muito em sistemas mecatrônicos e computadorizados para que o ar-condicionado e a ventilação natural trabalhassem juntos. Não há como prescindir dessa necessidade em uma cidade como o Rio. A tecnologia é um instrumento, não há arquitetura sem estética ou beleza.

Como encara a onda da sustentabilidade?

Eu continuo trabalhando da mesma forma que sempre trabalhei. Já trabalhava as questões ambientais, de humanizar. Quando me formei em arquitetura, dava-se muita importância ao sol, à ventilação natural. Acho que depois da guerra houve um funcionalismo que perdeu essas características. Hoje, essas questões estão voltando e as pessoas pensam que estou nisso.

Há alguma inspiração para os seus projetos?

Eu faço muita recorrência nos meus trabalhos. Você encontra muita coisa assim, o arquiteto vai se aprimorando. Na área hospitalar isso é muito forte, não dá para criar todo dia e há especificações. Um centro cirúrgico não será modificado por um arquiteto, mas pelo avanço da medicina.

Dubai anuncia frequentemente novos empreendimentos, alguns até mesmo questionáveis. Qual sua visão sobre a arquitetura que está se praticando nos Emirados Árabes?

Dubai executa diversas proezas pelos altos investimentos que são realizados na cidade. Há bons projetos e bons arquitetos no local. Há diversas proezas arquitetônicas, mas isso também não significa que seja uma boa arquitetura. Não há problema na proeza, mas sim em como é feita. Por exemplo, a Ópera de Sidney se transformou em um ícone internacional que representa a Austrália. O mesmo ocorre na ponte Golden Gate, na baía de São Francisco (EUA). A Cidade da Música, no Rio de Janeiro, é outro projeto muito interessante. Só que para isso, são necessários altos investimentos. Nenhum desses projetos teria a dimensão que possuem, se o orçamento fosse cortado pela metade. Se isso ocorre, há descaracterização do conceito do arquiteto ou a execução é ruim.

O Brasil investe pouco em projetos inovadores, são raros os prédios que recebem esse tipo de atenção. Os governos europeus investem em obras e oferecem a possibilidade para que os arquitetos executem projetos importantes. Os projetos de arquitetura são projetos obras de arte, marcam a cultura e o momento.

A fundação Guggenheim aposta nisso, basta observar o Museu Guggenheim Bilbao. O acervo do museu não é grande, cheguei a ver uma exposição de motos. O prédio virou um ícone, chega a chamar mais a atenção do que as obras que abriga e expõe. A cidade é pequena, não havia grandes atrativos no local até que o prédio ganhasse destaque. Hoje, é um centro de referência cultural na Europa. A arquitetura do museu tem grande responsabilidade nisso. O país precisa reconhecer essa questão.

Publicado originalmente (sem as imagens aqui inseridas) na revista AU (Pini), outubro de 2008.



sábado, 6 de dezembro de 2008

Paris Rive Gauche: urbanismo sustentável

Paris Rive Gauche: urbanismo sustentável
Por Andressa Fernandes, para AU (Pini)

Polêmico por sua arquitetura, inteligente pela abordagem sustentável: assim é o projeto Paris Rive Gauche, na capital francesa, que une três bairros (os quartiers parisienses) de Austerlitz, Tolbiac e Masséna. E inclui edifícios como a Biblioteca Nacional, projeto de Dominique Perrault, e a Universidade de Paris 7. A região passa por debate e reformulações desde os anos de 1990, com projetos de repercussão que ultrapassam o perímetro das edificações e chega à urbanização e à consciência dos parisienses.

A revitalização de sua área de 130 hectares (1,3 km²) surgiu com o objetivo de ligar o antigo bairro ao Rio Sena, ao superar a declividade do terreno e remanejar 26 hectares (260 mil m²) cobertos por linhas férreas, que ficavam entre o bairro e o rio. A idéia também inclui o desenvolvimento de um novo pólo econômico da cidade, tornando a região atrativa para indústrias e para a geração de emprego, e ainda promover a miscigenação urbana e social. Para isso, propõe reequilibrar, por exemplo, a quantidade de moradias sociais e estudantis e integrar a universidade à cidade.

"Paris Revi Gauche era o último bairro que ainda podia receber novas obras", afirma Ana Rocha Melhado que, desde 2003, realiza uma pesquisa de pós-doutorado sobre a revitalização do local, pelo Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo, em parceria com a Université Pierre Mendés France (UPMF) e a Société d'Économie Mixte et d'Aménagement de la Ville de Paris (Semapa, a responsável pelo gerenciamento do projeto). As obras no Paris Revi Gauche ainda devem durar cerca de dez anos.

Sustentabilidade aplicada
Segundo Ana Rocha, no início do projeto a preocupação era mais social que sustentável. Aos poucos, itens como a redução no consumo de energia, gestão da água, redução da poluição sonora e melhoria de moradias e construções foram incorporadas e passaram a nortear o projeto, ao lado da necessidade de novos empregos, transporte e lazer.

Todos os prédios construídos nos últimos quatro anos passaram a utilizar eletricidade gerada a partir da energia solar captada por painéis fotovoltaicos, além de sistemas de reúso de água. Até 2025, o consumo energético da região deverá ser reduzido a ¼ do que era em 2000.

Com a certificação da Semapa pela norma ISO 14001, algumas exigências passaram a determinar projetos arquitetônicos: prédios teriam de ter cinco fachadas, espaços para convivência e jardim no térreo, além de um telhado verde. "A Universidade de Física e Química já foi totalmente pensada dentro desses critérios de gestão de resíduos e redução de impactos ambientais", afirma Ana. "Foi preciso que a luz natural entrasse por diversos ângulos da edificação, ao contrário do que acontece no modelo 'caixote' clássico, visto em construções mais antigas", diz.

A opção por meios de transporte menos poluentes também faz parte do conceito do Paris Revi Gauche: além do metrô, há o programa Velib, de aluguel de bicicletas em pontos estratégicos do bairro. "O conceito de sustentabilidade vai muito além das soluções técnicas de conforto acústico e energia; é preciso ter o transporte adequado", acredita a engenheira.

Arquitetura polêmica
As faculdades de Física, Química e Arquitetura já estão funcionando, junto das bibliotecas instaladas nos edifícios restaurados. Segundo Ana, a construção de edifícios residenciais no setor de Austerlitz deve começar em breve, enquanto as de Masséna e Tolbiac já estão prontas. Falta ainda agradar aos parisienses, que insistem na preferência pela arquitetura histórica.

Ana Rocha acredita que é possível trazer a idéia do Paris Revi Gauche para o Brasil, basta que as condições climáticas sejam revisadas. "Em São Paulo, esse conceito de urbanismo sustentável poderia ser utilizado na Operação Água Branca (criada em 1999, constitui-se de 13 obras que incluem a ampliação e alargamento de vias e abertura de novas ruas na região e viadutos sobre a linha férrea e o rio Tietê), mediante parceria entre capitais de investimento público e privado", afirma.

Ana acredita também que o Brasil está tecnicamente preparado para tal projeto. A maior barreira, pondera, será a cultural. "Envolve uma mudança de comportamento, associada à educação", diz. A pesquisadora ressalta que o investimento pesado em comunicação e conscientização da sociedade parisiense foi essencial para que o projeto desse certo. Essa também deverá ser condição básica para sua implantação e sobrevivência em um país como o Brasil.

O programa de Paris Rive Gauche:
- Investimento de 3 bilhões de euros entre 1991 e 2015;
- 26 hectares (260 mil m²) de linhas férreas cobertas;
- 20% da área para uso residencial (430 mil m²) com cinco mil unidades distribuídas entre unidades para estudantes, de interesse social e da iniciativa privada;
- 18% da área para serviços, como escolas (405 mil m²);
- 30% da área para bibliotecas e universidades (662 mil m² e 210 mil m², respectivamente);
- 32% da área para escritórios (700 mil m²), com capacidade para 60 mil funcionários;
- 10 hectares (98 mil m²) de área verde, com duas mil árvores.
Publicado originalmente em AU (Pini), em novembro 2008.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Uma parede viva

Parede que respira
Por Andressa Fernandes, para AU (Pini)

Uma parede viva que produz oxigênio e que ajuda a minimizar os efeitos da poluição nas grandes cidades. Esse é um dos projetos dos arquitetos-engenheiros Claudia Paquero e Marco Poletto, fundadores do londrino ecoLogicStudio. O Stem, como é chamado, funciona como uma espécie de parede viva capaz de unir a utilização da luz solar com a geração de oxigênio via fotossíntese.

O sistema é composto por garrafas recicláveis de plástico – não é um material 100% reciclável porque assim não haveria a transparência adequada ao projeto – que funcionam como unidades celulares, cada uma delas abrigando plantas chamadas blanket weeds, uma espécie de cobertor de algas. Esses vegetais realizam a fotossíntese e então liberam oxigênio no ambiente, troca permitida por meio de furos controlados em cada célula.
A eficácia do processo depende fundamentalmente do posicionamento da Stem, escolhido de acordo com a incidência da radiação solar no local em que será instalada. Com o constante desenvolvimento das algas, a Stem está sujeita a transformações contínuas. Fatores como a transparência líquida e seu potencial respiratório são variáveis ao longo do tempo, condição que tem tanto efeito ambiental quanto visual, funcionando como um original elemento de design. Cada unidade da Stem possui formato hexagonal, forma definida a partir do tipo de recipiente utilizado para criar os "tijolos" básicos do sistema.

Há no catálogo nove componentes com conteúdos variados – cada um conta com sete unidades de garrafas –, que correspondem a diferentes condições de luz e radiação. O atual projeto da Stem se auto-sustenta, mas ainda não funciona como uma parede estrutural. "Para ter essa função, a parede precisaria de uma espécie de armação a partir de determinada altura. No entanto, a Stem é bastante apropriada para uso em um sistema de fachadas", explica Claudia Paquero.

A escolha da planta a ser utilizada na Stem foi norteada não apenas por fatores como a eficiência na fotossíntese, mas também por sua disponibilidade no meio ambiente. Nesse cenário, os blanket weeds se mostraram ideais em Londres. "Esse tipo de alga é um problema nos lagos do Reino Unido, e precisa ser decomposto. Nossa idéia foi dar-lhe uma entrevida entre os lagos e a decomposição. Nesse período, ela pode ser utilizada durante cerca de três meses na Stem, sendo depois substituída", conta Claudia.
Além de realizar as trocas gasosas, os blanket weeds também possuem características tridimensionais, o que aumenta a quantidade de raios solares capturados. Segundo a arquiteta, outros países também possuem algas com características semelhantes, e, portanto, adequadas ao projeto. Isso garante que a Stem possa ser adaptada a diferentes radiações, mesmo considerando o fato de que o sistema tenha sido desenvolvido a partir da latitude solar em Londres.

Foto: exemplo de um componente da Stem, formado por sete garrafas. O conteúdo de cada garrafa varia: pode-se notar pelas cores que apresentam. Os componentes são unidos por cola ou fita elástica e todas as garrafas possuem um pequeno furo para as trocas gasosas
A adaptação da Stem a lugares como o Brasil, por exemplo, inclui a escolha do material orgânico apropriado, a quantidade em que esse material deverá ser utilizado e sua geometria. De acordo com Claudia, não há melhores lugares para a implantação do sistema, mas sim lugares em que ele pode ser mais necessário – caso das grandes cidades onde a concentração de gases como o CO² vem aumentando.
A Stem foi inicialmente instalada na Galeria 77 em Londres, sendo mais tarde exposta na também londrina Nous Gallery – e presente na Bienal de Arquitetura de Londres, na Semana de Arquitetura de Londres e na Bienal de Arquitetura de Veneza, todas em 2006. Entre os benefícios do sistema, Claudia e Marco destacam a capacidade de reequilibrar a quantidade de oxigênio por meio de uma ação simples, além da interatividade com o usuário. "Devido à modulação das condições de luz, os usuários terão mais que uma interação visual com a Stem. Eles também receberão benefícios pela produção de oxigênio, criando uma relação dinâmica com o sistema", garante Claudia.

O ecoLogicStudio desenvolveu também a Stem cloud, uma versão mais estruturada do modelo. Os princípios de atuação são os mesmos da Stem, com a diferença de que a nova versão possibilita a criação de ambientes em três dimensões, enquanto a primeira tem apenas duas. Dessa forma, a Stem cloud pode de fato viabilizar instalações fechadas e privativas, como espaços de trabalho, em vez de concebê-las apenas como um sistema de parede/filtro. Por se tratar de uma estrutura 3D, a altura de uma Stem cloud é definida de acordo com a escala dos móveis do espaço em questão. Essa estrutura que poderá ser conferida na Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Sevilha, no final de 2008, na qual a Stem cloud estruturará um pavilhão.

Segundo a arquiteta, no momento o sistema ainda é um projeto de pesquisa, e por isso necessitaria ser melhor desenvolvido para a aplicação na indústria da construção. Mas, ainda que a Stem não seja um produto comercial, seu preço já pode ser calculado – e é bem salgado. Um espaço de 5 x 5 m, por exemplo, sai por 25 mil euros. O preço por componente se mostra mais acessível: uma Stem (conjunto com sete garrafas) custa 15 euros, mais o custo da armação, enquanto uma Stem cloud custa 50 euros (cada uma com 50 x 50 x 50 cm aproximadamente).
Por Andressa Fernandes, para AU (Pini), março de 2008

O green building ficou pronto e agora?

Os primeiros green buildings brasileiros estão sendo concluídos. Outras considerações agora passam a ser feitas. Reproduzo a seguir texto de Newton Figueiredo, da SustentaX, que julgo pertinente:

Foto: Perspectiva do empreendimento comercial Rochaverá, em São Paulo.

O green building ficou pronto e agora?
Por Newton Figueiredo, publicado originalmente no Fórum da Construção

Após obter uma certificação ambiental, o processo de sustentabilidade de uma edificação deve continuar. Com a sua ocupação, novos desafios surgem, como, por exemplo, garantir a eficiência dos sistemas condominiais e a saúde de seus ocupantes.

Com o objetivo de gerar menores impactos no meio ambiente, os prédios verdes (green buildings) são concebidos e construídos levando-se em conta uma série de cuidados, como controle de erosão e sedimentação do terreno, separação e armazenagem de resíduos recicláveis, utilização de madeira de reflorestamento, redução do consumo de água, entre outros itens.

Aspectos como eficiência energética, medidas para a racionalização do uso da água e o gerenciamento da qualidade do ar interno merecem especial atenção também após a obra. O objetivo de toda concepção dos Green Buildings é fazer com que haja redução dos custos condominiais e melhores condições de salubridade e de qualidade de vida para os colaboradores.

Estudos mostram que poeira, mofo, bactérias, vírus e uma série de outros poluentes orgânicos e inorgânicos, em excesso nos ambientes de trabalho, afetam a saúde dos profissionais, que podem desenvolver doenças, como a asma, enfermidade crônica muitas vezes associada à má qualidade do ar interno.

Além dos gastos gerados nos tratamentos, outros fatores econômicos devem ser considerados. De acordo com o relatório da Environmental Protection Agency (EPA), dos Estados Unidos, os empregadores podem gastar dezenas de bilhões de dólares por ano como resultado de problemas da qualidade do ar interno em suas instalações relacionados à perda de produtividade e ao aumento nos índices de absenteísmo.

Nesse sentido, há uma série de medidas que podem ser colocadas em prática, como a utilização de produtos de limpeza com baixos índices de COV (Compostos Orgânicos Voláteis), que prejudicam a saúde. Outra maneira simples e eficaz é o carpete de contenção na entrada. Corretamente dimensionado, reduz em até 80% a entrada de poeira nos ambientes.

É sempre bom lembrar que passamos ao redor de 90% de nosso tempo dentro de edificações. O compromisso com a responsabilidade socioambiental e com a qualidade de vida das pessoas é um processo contínuo que não acaba com a certificação e que não implica, necessariamente, em maiores gastos, mas no uso consciente de materiais e recursos e na implementação de novas práticas e costumes.

Oásis sustentável

Empresa britânica desenvolve projeto que se valerá do mar e do sol para produzir água doce e transformar o deserto do Saara em uma grande reserva ambiental
por Joice Tavares - Revista Isto É

Esqueça por algum tempo a imagem da região árida, inóspita e desértica do Saara. Agora imagine uma área com agricultura, água limpa e energia renovável. Finalmente, tente visualizar essa área ideal encravada no próprio Saara, um dos maiores desertos do planeta.

Não se trata de um oásis natural, mas, isso sim, do resultado de uma das maiores intervenções do homem no meio ambiente - uma espécie de oásis sustentável. Está-se falando do Sahara Forest Project, o mais ambicioso plano de construção ecológica no coração desse escaldante universo de areia, desenvolvido pela empresa britânica Seawater Greenhouse.

O objetivo é devolver ao deserto do Saara a sua capacidade de produção de alimentos e de água limpa, de reciclagem e renovação de energia, exatamente como era essa região antes da desertificação, que os geólogos estimam ter ocorrido há 40 mil anos.

Para que esse fenômeno de transformação do deserto seja possível, o sistema de tecnologia previsto no Sahara Forest Project se valerá da água do mar, do sol e de condições atmosféricas para criar "ilhas" produtivas dentro de gigantescas estufas. Na entrada de cada uma delas serão instalados vaporizadores que transformarão a água marinha em puro vapor.

A umidade fará com que a temperatura no interior das estufas se mantenha na casa dos 15 graus centígrados, ou seja, em condições ideais para o desenvolvimento de lavouras. Quanto à luz solar, ela será filtrada nas estufas por telhados especiais.

Todo o vapor produzido será então revertido novamente à forma líquida através de condensadores. É interessante destacar que o volume de água pura que será obtido a partir dessa condensação será útil e suficiente não somente no processo de hidratação das plantas cultivadas como poderá também ser responsável pela geração e fornecimento de energia.

A água abastecerá conjuntos de turbinas que integrarão o sistema de obtenção de energia solar. Segundo os engenheiros e ambientalistas da Seawater Greenhouse, a energia resultante desse projeto será tão potente que poderá ser distribuída para a Europa.

Tecnologia do deserto

O desafio era contornar as bruscas mudanças de temperatura e o excesso de sal no solo arenoso. Nos projetos piloto, engenheiros conseguiram lavouras estáveis e produtivas durante todo o ano.

Produzir, armazenar e preservar água no deserto é, a rigor, o ponto vital do projeto de instalação de uma cidade no Saara. Além da geração de energia, essa água será utilizada, por exemplo, no cultivo de um tipo de pinhão chamado pinhão manso - cuja semente pode ser empregada na produção de biodiesel.
Essa planta é bastante cultivada no Brasil nas diversas áreas com solos mais pobres das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e trata-se de um arbusto que chega a atingir até quatro metros de altura, conseguindo sobreviver em condições pouco favoráveis - e é isso que garante a sua adaptação ao deserto.
Atualmente o Sahara Forest Project já possui plantas demonstrativas em regiões áridas do Tenerife (a maior ilha do arquipélago das Canárias), de Omã e também dos Emirados Árabes Unidos, localizados na Península Arábica. Em Omã as estufas já rendem culturas produtivas para os povos que vivem no deserto.
O sucesso dos planos piloto mostra que o projeto é uma alternativa racional e viável. Além de geração de energia (solar e através de biocombustíveis), produção de água e estabelecimento de agricultura (benefícios voltados mais diretamente para o homem), ele trará também vantagens ambientais indiretas ao funcionar no combate à cres cente desertificação do planeta.
Piblicado em Isto É, em setembro de 2008.

Cemitério solar na Espanha

Em uma cidade de 116 mil habitantes chamada Santa Coloma de Gramenet, no subúrbio da província catalã de Barcelona, foram instalados 752 m² de painéis solares fotovoltaicos sobre a cobertura dos mausoléus do cemitério local.

E embora seja o quinto e o mais eficiente parque solar implantado na cidade, a iniciativa da prefeitura sofreu resistência dos moradores. A prefeitura justifica a escolha do local por ser uma das poucas áreas na cidade onde se encontram todas as condições para a implantação: é um espaço aberto, plano e que recebe muita luz solar por um bom período de tempo todos os dias.

Por outro lado, a empresa selecionada para assumir a gestão do parque solar, a Live Energy, teve o cuidado de realizar uma campanha de conscientização com a população local e ainda garantiu que a instalação das peças seria de forma menos invasiva possível, com uma angulação de 30º.

Os 462 painéis ocupam 5% da área do total do cemitério e, com potência de 100 kW, o conjunto gera mais de 124.000 kWh por ano, o suficiente para abastecer 60 casas anualmente. Foram gastos 720 mil euros com a instalação e a previsão é que se evite a emissão de 62 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.

Santa Coloma de Gramenet é uma das cidades mais avançadas na geração e uso de energia limpa na Catalunha. São 1.083 m² de painéis fotovoltaicos e 2000 m² de painéis térmicos instalados, o que equivale economia de 900 mil kw/hora, ou seja, o consumo de 145 famílias, além de evitar a emissão de 450 toneladas por ano de dióxido de carbono na atmosfera.

Para 2009, está previsto um plano de ampliação do número de painéis, com a expectativa de triplicar a quantidade de energia gerada.