quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Insustentável Dubai

Caros,

Gostaria de compartilhar aqui minhas impressões sobre Dubai, onde estive recentemente, acompanhando missão técnica àquele Emirado Árabe organizada pela ArqTours, by Raquel Palhares. Estivemos também em Abu Dhabi. São ambas cidades impressionantes, especialmente Dubai.

Resultado de um cenário sócio-político-econômico único, o fenômeno de explosão de novas construções está alterando dramaticamente o skyline da cidade. O que está acontecendo naquela cidade dos Emirados Árabes Unidos não tem precedentes na história.

Nunca se viu tantas e tão impressionantes obras em um só lugar. Nem na Berlim pós re-unificação alemã, nem na Pequim pré-olímpica, a humanidade presenciou tamanha explosão construtiva, tamanho impacto na vida e na economia de uma cidade ou de um país.
Propocional ao impacto que todas estas obras têm para a imagem da cidade para o mundo, deve ser também o impacto provocado por tudo isto na vida da população nativa, reduzida a apenas 10% dos habitantes atualmente, assim como, e pricipalmente, no meio ambiente.

É do meio ambiente, aliás, que se origina toda a imensa quantidade de recursos que alimentam os mais variados devaneios urbanos e surtos arquitetônicos, frutos de mentes criativas e autoridades aparentemente onipotentes.

A proximidade do fim da era do petróleo nos Emirados Árabes Unidos, o que deve ocorrer dentro de uma geração, é o que motiva as suas autoridades a empreender algumas das mais impressionantes obras do planeta, algumas delas as mais grandiosas estruturas já construídas pelo Homem.

É um esforço gigantesco e o objetivo de atrair a atenção do mundo, turistas de todas as partes e muitos novos dólares, advindos não mais do petróleo, está sendo cumprido com eficiência. Todo mundo quer ir ver o acontece em Dubai. Eu também, confesso, estava ansioso para presenciar este fenômeno único de desenvolvimento urbano, este momento histórico que certamente será lembrado pelos futuros estudantes de arquitetura, nas disciplinas de história, como o mais louco e acelerado processo de urbanização de todos os tempos.

Sustentabilidade?

Enquanto o mundo todo (até a China já começou a tomar atitudes neste sentido), está preocupado com temas como sustentabilidade, meio ambiente, aquecimento global, economia de recursos e de energia, em Dubai, nada disto parece importar. Apenas importa construir, construir.
Bom para nós arquitetos. Podemos visitar um gigantesco parque de diversões arquitetônicas.

A questão a meu ver é: Mas qual a conta disto tudo? Até onde vai este ritmo de construção descomunal? Vai ter gente e empresas para ocupar todos estes prédios? Para mim pareceu evidente que a base de tudo é tão sólida quanto areia. Falta sustentabilidade.

Vamos considerar alguns fatos como referência:

A energia elétrica consumida nos Emirados Árabes é quase totalmente produzida em usinas a gás, portanto, não renovável. 60% de toda energia elétrica é consumida com os sistemas de ar condicionado, presentes em todo lugar, até mesmo em pontos de ônibus (não é luxo, dizem, é uma necessidade).

A água potável servida na cidade é produzida em estações de dessalinização, processo custoso que implica em aquecimento, evaporação e condensação da água marinha.

Não existe nada como um Ministério do Meio Ambiente (embora exista o do Petróleo) ou estudos de impacto ambiental. Não há tão pouco liberdade de imprensa, nada nem ninguém que seja capaz de contra argumentar em relação ao óbvio impacto ambiental causado pela construção de gigantescos aterros e arquipélagos artificiais em meio ao golfo pérsico.

Incorporadores de diversas partes do mundo encontraram em Dubai o ambiente e a oportunidade de realizar os mais improváveis empreendimentos imobiliários do mundo, multi-milionários, e, acreditem, praticamente livre de impostos. Isto mesmo, o único requisito aparente é a obrigatoriedade da participação nos empreendimentos de ao menos uma das incorporadoras de propriedade da pessoa física de sua alteza, o Xeique.

A mão de obra em Dubai é baratíssima, vinda de diversos países, a maioria da Ásia central, pricipalmente Paquistão e Índia. Durante as obras, os operários vivem em alojamentos coletivos insalubres fora da cidade, ganham em torno de US$ 300,00 por mês, enviam boa parte para suas famílias e após a conclusão das obras têm de encontrar outra obra ou retornar aos seus países. Ou seja, não agrega renda ao mercado local.
O grosso do capital vem de investidores eurepeus, que repatriam os seus lucros nos empreendimentos sem ter que dar satisfação a ninguém. Os clientes por sua vez, são turistas de passeio e milionários de todo o mundo, inclusive do Brasil, que compram casas paradisíacas em ilhas artificiais de areia branca e mar azul, e, ao menos no caso do arquipélago The World, sem infra-estrutura.

A construção de centenas de novos e imponentes edifícios de escritórios antecede em muito a demanda por espaços corporativos (apenas na região chamada Business Bay, onde se encontra o Buj Dubai, maior edifício do mundo, são 200 novos edifícios). De onde virão tantas empresas? Há tantos negócios? Será mesmo que vão fazer de Dubai a capital financeira do oriente?

Contrates

Bom, os shoppings centers, que são enormes, estão sempre cheios de gente aparentemente bem disposta a gastar. Todas as mais famosas grifes estão em seus corredores. Potentes carros de luxo, grandes beberrões de combustível, são bastante comuns (e a gasolina é ridiculamente barata). O padrão de consumo é de primeiro mundo.

Os hotéis estão cheios de turistas. Os ocidentais, a passeio ou a trabalho, estão por toda parte. Para estes, não há, ao contrário de outros países árabes muçulmanos, qualquer restrição ao uso de roupas de verão normais no mundo ocidental, inclusive para as mulheres. Pode-se inclusive consumir bebidas alcoólicas nos hotéis, o que é proibido para os árabes.

Com tudo isto, quase não se vê a cultura local. À exceção da região de Deira, onde estão os souks, tradicionais mercados de rua, tudo é novo e artificial. Não há resquícios da arquitetura tradicional, a não ser pelas frequentes mesquitas. A impressão que se tem é de estar na Las Vegas do oriente (sem o jogo, é claro, proibido nos Emirados).

O passado, as origens da cidade portuária, baseada no comércio de especiarias, pérolas e ouro entre oriente e ocidente, ficou definitivamente para trás. Dubai não olha para o seu passado, apenas vislumbra o seu futuro, cada dia mais presente.

Quando de seu lançamento, em 2002, o arquipélago The Palm -primeiro dos grandes empreendimentos marinhos lançados pela Nakheel Developments, incorporadora que está mudando o litoral da cidade - teve 100% dos seus condomínios (nas pétalas da palmeira), áreas comerciais (no tronco) e áreas para hotelaria (ao redor) vendido em apenas 3 dias. Um sucesso estrondoso.
Em sequencia, foram lançados outros empreendimentos ainda maiores, inclusive o arquipélago The World, a segunda palmeira, Palm Deira, a terceira, Palm Jebel Ali, e o gigantesco Dubai Waterfront.

O volume dos investimentos é gigantesco. Projetos multi-bilionários construídos em meio ao deserto ou ao mar. É de fato impressionante. Quase uma miragem. E, como tal, muitas vezes bem distante da realidade do mercado.

A Crise

Passada a onda de empolgação inicial, com a crise financeira internacional, boa parte dos investimentos que vinham sendo feitos em grandes volumes foram suspensos.
Recentemente, neste mês de dezembro, a Dubai World, empresa estatal que coordena a implantação dos diversos projetos, declarou a possibilidade de ter de suspender o pagamento de suas dívidas no mercado financeiro internacional por 6 meses. Alguns dos novos mega empreendimentos, como o Dubai Waterfront, por exemplo, tiveram o início de suas obras adiados.
Não fiquei surpreso. Estava na cara que aquele ritmo frenético não se sustentaria indefinidamente. Mas as obras que estavam em andamento, no entanto, continuam e o números de gruas em movimento na paisagem é ainda enorme.

Também não ficarei surpreso se o próprio Xeique, ou seus parentes dirigentes dos demais emirados, inclusive o de Abu Dhabi, que ainda tem muito petróleo, sairem com uma carta da manga e aparecerem com as garantias que permitirão a Dubai prosseguir em sua trajetória para se consolidar como uma das interessantes cidades do mundo.

Muito pouco sustentável mas, ainda assim, muito interessante Dubai.

Por Antonio Macêdo Filho.

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