terça-feira, 22 de julho de 2008

Sustentabilidade na Metrópole

Sustentabilidade na Metrópole, A Nova Arquitetura de Nova York

(Texto extraído do Guia de Viagem Green Buildings em Nova York, elaborado por mim e pela Arq. Raquel Palhares para orientar os participantes da Missão Técnica de mesmo título, realizada em junho de 2008)

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NY Times Building e 7, World Trade Center, dois dos novos Green Buildings de NYC, edifícios visitados nesta missão técnica.

Nova York é uma cidade que em muitos sentidos é uma ilha. Geograficamente, Manhattan, a principal das quatro ilhas da Grande Nova York, uma das mais densamente habitadas do mundo, é também considerada o coração financeiro do planeta. NYC é também frequentemente palco de inovações e acontecimentos sócio-culturais-tecnológicos que muitas vezes têm o poder de mudar o mundo.


Desde séculos atrás, quando Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica e a iluminação pública a eletricidade, Elisha Otis inventou o elevador para pessoas, Henry Ford inventou a linha de produção em série, Jonh D. Rockfeller Jr. deu o impulso internacional ao nascente capitalismo, passando pelos primeiros arranha-céus e pelas primeiras torres de vidro propostas por Le Corbusier e Mies van Der Rohe, a cidade de Nova York tem servido de celeiro para inovações de impacto global.

Neste início do século XXI, Nova York está se preparando para mais uma vez tomar a liderança ao se tornar também uma referência mundial em construção sustentável, com muitos novos edifícios projetados sob os conceitos de eficiência e uso racional dos recursos. Muitos são edifícios certificados verdes, para atender a clientes de interesses e atuações internacionais com elevados padrões de exigências, porém, muitos outros mais não visam a certificação, mas adotam técnicas e tecnologias interessantes e úteis para se atingir os mesmos objetivos e contribuem para transformar Nova York na capital mundial dos Green Buildings.

Nesta Missão Técnica Green Buildings em Nova York, estamos presenciando - com vista privilegiada, de perto e por dentro - ao surgimento de um novo modo de pensar e fazer edifícios. Estamos vivendo e fazendo a história da Arquitetura em tempo real. Estamos vendo surgir a Arquitetura do século XXI.

Saibamos ter a sabedoria para valorizar e aproveitar estas oportunidades, para que também nossa prática seja mais sustentável, para benefício de todos.

Vale lembrar que no Brasil, especialmente em São Paulo, que em certo sentido é também uma ilha e guarda muitas similaridades com Nova York, estamos acompanhando bem de perto as tendências nesta área e muitos de nós, e também nossos colegas, estamos todos atuando ativamente na produção dos primeiros Green Buildings brasileiros, que já estão sendo concluídos.

A atuação do recém criado Green Building Council Brasil tem sido aplaudida internacionalmente, muito por conta também da força do crescimento do mercado da construção nacional e do trabalho de profissionais competentes e bem informados.

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Central Park. Ao fundo, a torre Hearst.

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Greenmarkets: mercados de produtos orgânicos estão se popularizando. O mais famoso é o da Union Square, ás quartas, sextas e sábados.

Para quem vê de fora, Nova York pode parecer o perfeito cenário oposto à sustentabilidade. Com seus cânions artificiais de concreto, aço e vidro, Nova York não é normalmente associada a movimentos ambientais. Contudo, com seus edifícios de escritórios e apartamentos e até estacionamentos multi pavimentados e seus eficientes sistemas de transporte público, o consumo de energia por habitante é dos menores dos EUA. Se a cidade de Nova York fosse o 51º estado dos EUA, teria 12ª maior população e seria o último em consumo de energia.

O adensamento urbano facilita o compartilhamento dos serviços públicos, o que faz com que cada habitante de Nova York utilize individualmente menos recursos e energia, por exemplo para se deslocar para o trabalho, do que a maioria dos americanos que habitam outras cidades.

A cidade tem incorporado por muito tempo muitos dos chamados princípios “verdes”. Além do transporte público, a coleta seletiva de lixo funciona e a população em grande parte colabora para isto. Também o Central Park é uma grande bolsa verde que ajuda a reduzir os efeitos da ilha de calor.

Nos últimos anos, os “Greenmarkets” vêm se popularizando em NY, e muitas fazendas estão aderindo à agricultura de produtos orgânicos. Participam também destas feiras, pequenos agricultores locais, cujas fazendas ficam próximas a Nova York, o que também é valorizado, pelo pouco deslocamento sofrido pelas mercadorias até chegar ao consumidor final.

Em relação à arquitetura, muitos projetos dos primeiros arranha-céus utilizavam a massa térmica para reter calor e os edifícios não dispunham de condicionamento artificial de ar. Porém, nos anos 50, mudanças no zoneamento e o uso intensivo do ar condicionado possibilitaram a construção de gigantes caixas de vidro com janelas inoperáveis nas quais as pessoas, geralmente trabalhadores de escritórios, como se dizia então, “não mais tinham de lidar com o incômodo do vento e da luz do sol”. São edifícios que consomem grande quantidade de energia e combustíveis fósseis.

Os sinais de que as atitudes que criaram tais edifícios estão mudando apontam para alguns novos edifícios que têm sido construídos recentemente na cidade. A torre de escritórios na Times Square nº 4, conhecida como Condé Nast Building, nome da empresa que a ocupa, deu o exemplo: um "projeto ambiental consciente", que prevê circulação de 50% mais ar pelo edifício do que é exigido pela lei, que utiliza células fotovoltaicas em sua fachada e materiais de limpeza atóxicos.

O Condé Nast e o seu vizinho, o 3 Times Square, novo Reuters Building, deram a direção para onde a arquitetura do séc. XXI deveria seguir. O caminho da sustentabilidade da arquitetura.

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Condé Nast Building: Duas fachadas com tratamento diferenciado uma da outra: na Times Square, incorpora a agitação e movimento da área, a outra, na 42th Street, é mais sóbria e com características de outros edifícios de Midtown

Não há contestações. A sustentabilidade dos edifícios é a base para a sustentabilidade das cidades, que, por sua vez, é a base para a sustentabilidade do planeta, já que a maior parte da humanidade vive nelas.

E se há algo que Nova York está habituada a fazer é definir tendências. O mercado imobiliário da cidade percebeu a importância de se construir de forma sustentável e a certificação LEED passou a ser considerada importante medidor de sustentabilidade de empreendimentos.

O que se está verificando neste início de século é uma verdadeira corrida pela certificação, uma nova competição para ver quem chega primeiro, quem será o melhor. Pode-se contar hoje em Nova York dezenas de projetos certificados LEED concluídos e muitos mais em processo. Alguns dos quais são grandes e importantes edifícios comerciais, outros públicos ou residenciais. A certificação ambiental parece estar se tornando, além de uma tendência, uma condição necessária ao sucesso de um empreendimento, especialmente aqueles que pretendem transmitir uma imagem de responsabilidade e compromisso com o ambiente às empresas e pessoas que os ocupam.

To LEED or not to LEED

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Edifício 1.400, 5th Ave.

Mas, se os primeiros grandes empreendimentos comerciais verdes não precisaram da certificação LEED (Condé Nast, Reuters Building, New York Times Building) muitos outros casos de edificações menores, sem dúvida também não.

O pequeno edifício de oito andares na 5ª Avenida, nº 1400, em East Harlem, não é luxuoso: dois terços de seus 128 apartamentos são reservados para compradores com rendimentos anuais entre US$ 53.000,00 e US$ 103.000,00, mas o edifício é considerado um dos projetos urbanos mais sustentáveis dos EUA. “Todos merecem habitações construídas de maneira que sustente o ambiente" diz Carlton Brown da Full Spectrum New York, incorporadora do edifício. Para alcançar este resultado, Brown parte da premissa de que desperdício custa dinheiro. Janelas bem isoladas, firmemente seladas, permitirão um sistema de aquecimento e refrigeração menor e menos potente. Enquanto a maioria dos construtores faz suas paredes no canteiro de obras, Brown usa paredes pré-fabricadas. Também utiliza steel frame de aço reciclado de pouco peso, que permite que se utilize menos alvenaria. Tais práticas consomem menos material do que os métodos convencionais de construção e produzem menos entulho, o que facilita a operação de descarga e o destino final, e menores custos.

Com esse dinheiro, diz Brown, "você pode reinvestir naquelas áreas que custarão um pouco mais" como materiais reciclados ou reutilizados ou o uso de um sistema mais eficiente de condicionamento ambiental (No 1400 da 5ª Ave. o sistema de aquecimento e refrigeração utiliza uma bomba de calor geotérmico, um dispositivo que aproveita a temperatura da terra, relativamente constante, mais fresca do que o ar no verão e mais quente no inverno).
Considerando-se toda a eficiência energética, o 1400, 5ª Ave. espera consumir mais de 70% menos energia do que um edifício multi-familiar comparável. "No final, os custos praticamente batem", diz Brown: "Ambientes sustentáveis podem ser construídos para todas as faixas de renda"

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The Solaire, primeiro edifício residencial certificado LEED em NYC.

A arquiteta novaiorquina Chris Benedict tem desenvolvido projetos de recuperação e retrofit de edifícios residenciais em Nova York, sempre com foco no uso eficiente da energia. Seus prédios novos e reformas não são certificados, mas o sistema de controle da circulação e troca de ar entre os apartamentos e o exterior que desenvolveu, que precisou de uma licença especial da prefeitura para poder ser implantado, mereceu uma série de publicações, inclusive internacionais, e uma premiação está por ser conquistada.

A arquiteta esteve em São Paulo em maio de 2008 apresentando seus projetos em um congresso de arquitetura sustentável e comentou que muitas soluções para isolamento térmico e ventilação passiva que propõe para seus projetos podem muito bem ser adotadas, com adaptações, às nossas construções.

People, Planet and Profit

Mas os custos permanecem sendo o interesse principal. Enquanto os incorporadores do 1400 da 5ª Ave. dizem que o projeto não custará mais do que um edifício convencional, o The Solaire custou de 8% a 14% mais do que um edifício convencional do mesmo tamanho. No entanto, seu incorporador, Russell C. Albanese, disse recentemente ao New York Times que os 293 apartamentos são alugados por aproximadamente 5% a mais do que o valor de mercado.

Os Green Buildings vingarão se conseguirem manter os seus investimentos rentáveis. Pesquisa recente feita por Roper ASW verificou que poucos americanos estão de fato dispostos a pagar mais para consumir produtos ditos sustentáveis, ou environmentally friendly, inclusive e principalmente edifícios. As pessoas continuarão a priorizar a localização, a planta do apartamento, proximidade de escolas e áreas de lazer ao invés de acabamentos atóxicos ou eficiência energética na hora da compra de um imóvel.

Parece claro que este é o desafio a partir de agora para os Green Buildings. A construção, para ser mesmo sustentável, não pode deixar de também atender aos requisitos do tripé da sustentabilidade: é preciso atender aos aspectos sociais, ambientais e econômicos. É a tríade dos P´s, em inglês: People, Planet e Profit.

Big & Green

Mas, o que não falta em Nova York é empreendedorismo. E capital. Dois dos principais ingredientes necessários para se vencer grandes desafios. Nova York é, por essência, uma cidade de superlativos e seus grandes edifícios cumprem grandes metas e causam grandes impactos.

De sedes de grandes corporações, edifícios de escritórios multi-usuários, de usos mistos a edifícios institucionais e residenciais, Nova York está “construindo verde”. Estas práticas sustentáveis contemplam o clima local, a cultura e a economia da cidade. São provas de que a cidade pode ser melhor.

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Conjunto de edifícios sustentáveis no Battery Park City. No destaque dado pelo sol, o The Solaire.

Uma nova safra de grandes Green Buildings está pipocando pela cidade. Estes edifícios representam a ponta da lança tecnológica em termos de eficiência energética e responsabilidade ambiental e sinalizam por onde deve seguir o futuro da construção sustentável de grandes edifícios.

A menos de uma década, o Condé Nast Building, projetado pelo escritório local Fx Fowle Architects, era visto como um experimento visionário e um fiasco financeiro. Hoje a indústria da construção se orgulha de estar produzindo edifícios semelhantes ou melhores, que utilizam recursos como o Condé Nast e buscam obter a certificação LEED, considerada um importante diferencial de mercado.

Mas, como as torres verdes tomaram Manhattan, o metro quadrado mais caro dos EUA (um dos mais caros do mundo), onde grandes obras podem custar 1 bilhão de dólares?

Os pioneiros arquitetos, engenheiros, investidores e clientes esclarecidos são a chave para o sucesso. Eles apostaram em tecnologias avançadas, especialmente em sistemas de fachadas e de condicionamento ambiental, em eficiência energética e no uso de energias renováveis, para promover a qualidade do ar, o conforto e a saúde dos ocupantes, o que veio também a abrir novas possibilidades estéticas para os edifícios e, fundamentalmente, uma nova demanda de mercado.

Ainda assim, Nova York pode ser melhor se definir padrões mais rigorosos para a construção sustentável. Arranha-céus podem se tornar máquinas inteligentes que contribuam para criar ambientes interiores mais saudáveis e uma cidade mais sustentável.

Os Green Buildings de Nova York podem oferecer um modelo para o futuro de cidades de todo o mundo.

Como funciona o LEED

LEED, Leadership in Energy and Environmental Design, é um sistema de avaliação e certificação ambiental voluntário de edificações promovido pelo USGBC – United States Green Building Council (Conselho Estadunidense para Construção Sustentável). O USGBC (fundado em 1993) começou a desenvolver o LEED em 1994, mas somente em março de 2000, em um programa piloto, os primeiros edifícios foram certificados na versão 1.0 do sistema. Apenas dois meses depois foi lançada a versão 2.0 e em 2002 entrou em vigor a versão 3.0, que está sendo utilizada atualmente.

O LEED avalia o desempenho ambiental de um edifício inteiro e seu ciclo de vida, fornecendo um parâmetro para classificação de um edifício verde de acordo com seis categorias: sustentabilidade do local; eficiência no uso da água; eficiência energética; materiais e recursos; qualidade do ar; e inovação e processo de projeto. Os edifícios podem ser considerados certificados, prata, ouro ou platina em função da pontuação atingida em uma escala de créditos somados em função das características de projeto e desempenho do edifício.

Antes, porém, para serem registrados para o LEED, os projetos precisam atender a uma lista de pré-requisitos obrigatórios, que definem níveis mínimos de qualidade e eficiência. Uma vez aceitos, os projetos recebem uma pré-certificação para a categoria condizente com o nível de desempenho e qualidade pretendido pelo projeto. Para esta fase, é preciso reunir extensa documentação sobre os diversos sistemas do edifício, bem como de seus projetistas, promotores e fornecedores.

A vantagem principal é que a partir daí os promotores podem fazer uso comercial da certificação no marketing do empreendimento, com o que se pretende alavancar as vendas, deixando claro, no entanto, que se trata de uma pré-certificação. A certificação propriamente somente é concedida após a conclusão das obras e rigorosa verificação de todos os sistemas e requisitos previstos em projetos. O edifício será certificado na categoria condizente com o nível de desempenho e qualidade comprovados após a auditoria e comissionamento dos sistemas, mesmo que seja em uma categoria diferente daquela para a qual tenha sido pré-certificado. A edificação certificada poderá usar o selo LEED por um período de dois anos, prazo ao final do qual, se houver interesse na renovação da certificação, o edifício deve ser reavaliado, para verificação do desempenho de sua operação.

O LEED utiliza critérios específicos para avaliar diferentes edificações agrupadas em: LEED New Construction (NC): Edifícios corporativos, nos quais o proprietário ou locatário ocupa mais de 51% do edifício. São avaliados os desempenhos do núcleo da edificação, fechamentos e interiores. LEED Core and Shell Development Projects (CS): Edifícios de escritórios multi-usuários. São considerados a estrutura central e envoltórios, ou seja, o edifício vazio e o LEED Commercial Interior (CI), que podem ser solicitados pelos ocupantes do edifício que poderão ter classificações diferentes para os interiores de seus escritórios. Há ainda os sistemas LEED dedicados a edifícios existentes (EB) e outros tipos de edificações, como condomínios e loteamentos (ND), escolas (LS) e residências.

Apesar de ser mais recente que as certificações ambientais européias (o BREEAM, inglês, por exemplo, é 10 anos mais antigo), o LEED tem se mostrado uma eficente ferramenta de promoção de empreendimentos, foi adotado em muitos outros países e hoje é o que mais se aproxima de um padrão internacional de certificação ambiental de edificações.

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